Vítor Dias pergunta-me o seguinte no Tempo das Cerejas sobre o caso do
não-voto do PCP que no Parlamento Europeu ajudou a salvar Berlusconi:
A minha resposta foi esta:
«Caro Vítor Dias:
É evidente que foi isso que fiz. Logo que nos apercebemos que
tínhamos perdido a resolução contra Berlusconi [de que eu era um dos
co-autores] por três votos, o grupo da Esquerda Unitária (de que faz parte o
BE, o PCP, e eu como independente no BE) ficou atónito ao ver que os votos que
faltavam eram do nosso grupo e, no caso do PCP, de pessoas que estavam no
hemiciclo e tinham acabado de votar dez segundos antes (e voltaram a votar dez
segundos depois).
Logo que me levantei, a primeira coisa que fiz foi falar com João
Ferreira (que está duas filas atrás de mim) e perguntar-lhe: “então João, que
se passa? não votas uma coisa destas?”. Resposta dele: “problema com a
máquina”.
Saí do hemiciclo e no corredor encontro Ilda Figueiredo (que se
senta umas seis filas à minha frente). “Então Ilda, não me diga que também não
votou isto?” E ela: “Houve um problema com a máquina”. E eu: “com as duas?! as
vossas duas máquinas tiveram problemas ao mesmo tempo, a vinte metros de
distância uma da outra?”.
Ilda não me respondeu. O Vítor Dias, que tem mais jeito para
contas do que eu, pode tentar perceber qual é a probabilidade de que duas
máquinas dos dois únicos deputados do mesmo partido, situadas a uma distância
considerável uma da outra, sejam as únicas a falhar em mais de trezentos votos
a favor da resolução, e mais de seiscentas máquinas utilizadas. A isso ainda se
deve acrescentar qual é a probabilidade de os dois deputados ao mesmo tempo não
terem feito o que se faz nestas ocasiões, que é avisar imediatamente a mesa,
ainda antes de a votação estar concluída e o resultado anunciado,
particularmente numa votação tensa com resultados em diferenças reduzidíssimas.
Estariam os dois distraídos ao mesmo tempo?
Talvez. De facto, só depois de terem visto os resultados é que
Ilda Figueiredo e João Ferreira fizeram a sua declaração segundo a qual votaram
a favor (o que é incorrecto — a declaração fica registada mas o voto não conta)
mas, contraditoriamente, afirmam que o debate “raiava a ingerência” na vida
democrática italiana.
Não sei em que ficamos. Ficamos que Berlusconi, mais uma vez, se
safou. Graças a um erro de um deputado anti-berlusconiano da lista de Di Pietro
(Itália dos Valores) que se enganou e votou contra quando queria votar a favor,
o que teria colocado a diferença a um voto. E graças a duas azaradas máquinas
que decidiram não funcionar apenas naquele momento e apenas com os dois únicos
deputados do Partido Comunista Português, que por acaso achavam que aquele
debate “raiava a ingerência” na política interna italiana.»
af
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