quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Diálogo sobre máquinas azaradas



Vítor Dias pergunta-me o seguinte no Tempo das Cerejas sobre o caso do não-voto do PCP que no Parlamento Europeu ajudou a salvar Berlusconi:
A minha resposta foi esta:
«Caro Vítor Dias:
É evidente que foi isso que fiz. Logo que nos apercebemos que tínhamos perdido a resolução contra Berlusconi [de que eu era um dos co-autores] por três votos, o grupo da Esquerda Unitária (de que faz parte o BE, o PCP, e eu como independente no BE) ficou atónito ao ver que os votos que faltavam eram do nosso grupo e, no caso do PCP, de pessoas que estavam no hemiciclo e tinham acabado de votar dez segundos antes (e voltaram a votar dez segundos depois).
Logo que me levantei, a primeira coisa que fiz foi falar com João Ferreira (que está duas filas atrás de mim) e perguntar-lhe: “então João, que se passa? não votas uma coisa destas?”. Resposta dele: “problema com a máquina”.
Saí do hemiciclo e no corredor encontro Ilda Figueiredo (que se senta umas seis filas à minha frente). “Então Ilda, não me diga que também não votou isto?” E ela: “Houve um problema com a máquina”. E eu: “com as duas?! as vossas duas máquinas tiveram problemas ao mesmo tempo, a vinte metros de distância uma da outra?”.
Ilda não me respondeu. O Vítor Dias, que tem mais jeito para contas do que eu, pode tentar perceber qual é a probabilidade de que duas máquinas dos dois únicos deputados do mesmo partido, situadas a uma distância considerável uma da outra, sejam as únicas a falhar em mais de trezentos votos a favor da resolução, e mais de seiscentas máquinas utilizadas. A isso ainda se deve acrescentar qual é a probabilidade de os dois deputados ao mesmo tempo não terem feito o que se faz nestas ocasiões, que é avisar imediatamente a mesa, ainda antes de a votação estar concluída e o resultado anunciado, particularmente numa votação tensa com resultados em diferenças reduzidíssimas. Estariam os dois distraídos ao mesmo tempo?
Talvez. De facto, só depois de terem visto os resultados é que Ilda Figueiredo e João Ferreira fizeram a sua declaração segundo a qual votaram a favor (o que é incorrecto — a declaração fica registada mas o voto não conta) mas, contraditoriamente, afirmam que o debate “raiava a ingerência” na vida democrática italiana.
Não sei em que ficamos. Ficamos que Berlusconi, mais uma vez, se safou. Graças a um erro de um deputado anti-berlusconiano da lista de Di Pietro (Itália dos Valores) que se enganou e votou contra quando queria votar a favor, o que teria colocado a diferença a um voto. E graças a duas azaradas máquinas que decidiram não funcionar apenas naquele momento e apenas com os dois únicos deputados do Partido Comunista Português, que por acaso achavam que aquele debate “raiava a ingerência” na política interna italiana.»


af


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